Se pra mim ta ruim... imagine pra você
Seguíamos
tranquilos pela BR 277 sentido Curitiba numa Caravan 75 do meu pai. O carro era
velho tanto na idade quanto na conservação. As frequentes idas à chácara em
estrada de chão esburacada fizeram afrouxar todos os parafusos e a lataria
batia tanto que éramos obrigados a fazer uma viagem sem conversarmos. Seria impossível travar um diálogo sem que necessitássemos falar muito, muito
alto. Mas não reclamávamos.
Eu
estava, especialmente, satisfeita porque no porta-malas levava uma máquina de
lavar que ganhara de minha mãe depois que ela comprara uma nova. Vida de estudante
era dureza!
Meus
irmãos no banco de trás entre um cochilo e outro não reclamavam do dia quente. O
calor que refletia do asfalto era tanto que distorcia as imagens. Viajávamos
com os vidros todos abertos torcendo para não encontrar nenhum caminhão que nos
obrigasse a ficar atrás nos longos trechos de pista simples. O vento que entrava
quando a Caravan embalava na ladeira era um alento.
Mas
não reclamávamos. Acho até que todos estávamos felizes. Meu pai, muito calmo,
parava sempre que queríamos e a viagem ficava mais longa.
Lá
pelas tantas uma picape importada que fora lançada naqueles dias passou por nós
em alta velocidade. Era moderna e leve. Parecia uma raio a cortar aquela tarde
ensolarada enquanto nós só passávamos dos 60 km/h quando o papai largava a
Caravan em ponto morto nas longas banguelas da região de Guarapuava. A picape sumiu da nossa vista antes mesmo que
pudéssemos lamentar o abismo tecnológico e financeiro que nos separava.
Mas,
não reclamamos. Acho até que faríamos o resto todo da viagem felizes e
conformados se não fosse uma barreira para reforma da rodovia que nos obrigou a
parar embaixo daquele sol escaldante, sem ar condicionado, justamente atrás da
referida picape.
De
perto pudemos ler o adesivo que havia no vidro traseiro... Se pra mim ta
ruim... imagine pra você.
(Simone
Lesiko)
A
crônica narrativa é a transformação da realidade em literatura. É, portanto, um gênero híbrido resultado da visão
pessoal, subjetiva, do cronista diante de um fato qualquer, colhido no
noticiário do jornal ou no cotidiano. Quase sempre explora o humor; às vezes,
diz as coisas mais sérias por meio de uma aparente conversa fiada; outras
vezes, despretensiosamente, faz poesia da coisa mais banal e insignificante.
Registrando o circunstancial
do nosso cotidiano mais simples, acrescentando, aqui e ali, fortes doses de
humor, sensibilidade, ironia, crítica e poesia, o cronista, com graça e leveza,
proporciona ao leitor uma visão mais abrangente, que vai além do fato. A
crônica mostra, de outros ângulos, os sinais de vida que diariamente deixamos
escapar da nossa observação. É
um texto curto com espaço e tempo limitados, redigido numa linguagem
descompromissada, simples, muito próxima do leitor.
Proposta de
produção
A exemplo do texto lido, produza uma
crônica a partir de um acontecimento bem humorado que você presenciou em uma
loja, no transporte coletivo, em uma sala de aula ou em qualquer outro ambiente.
Tempere a história com uma boa dose de figuras de linguagem (hipérboles,
comparações, ironias...) e estará pronta a sua crônica narrativa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário